"Não lembro dos meus sonhos. E agora?"
- agdagalvaopsic
- 17 de jul.
- 4 min de leitura

“Não lembro dos meus sonhos.”
Essa frase, tão comum, carrega mais do que esquecimento — carrega um chamado. Um sussurro da alma que, talvez, esteja aguardando o momento certo para revelar suas imagens.
Na Psicologia Analítica de C.G. Jung, os sonhos não são eventos triviais. São manifestações do inconsciente, caminhos de autoconhecimento e até de cura.
Jung dizia: “O sonho é a pequena porta escondida no mais profundo e íntimo santuário da alma.” É por essa porta que chegam as mensagens à consciência, usando sempre a linguagem dos símbolos, das metáforas e dos afetos.
Ignorar os sonhos é, de certo modo, virar as costas para si mesma; mas abrir-se a eles é iniciar um diálogo transformador com a própria alma.
Qual a finalidade dos sonhos?
Para Jung, os sonhos têm múltiplas funções. Eles, por exemplo, compensam a unilateralidade da consciência, revelando o que está oculto, reprimido ou esquecido.
Exemplificando: se estivermos excessivamente racionais, o sonho pode nos trazer imagens carregadas de emoção; se estivermos presas à ação, ele pode revelar uma figura contemplativa.
A função acima é compensatória e ajuda a manter o equilíbrio psíquico, mas há também uma função estruturante: os sonhos podem orientar o amadurecimento da psique ao longo do tempo.
Muitas vezes, apresentam imagens que antecipam transformações interiores, ideias ainda não conscientes ou passagens importantes da vida. Por isso, Jung os considerava guias do processo de individuação — o caminho de nos tornarmos quem somos em essência.
Sonhar é ser tocada pelo arquétipo da transformação. É como se, a cada imagem noturna, a psique dissesse: “Aqui está uma parte sua que deseja voltar à luz.”
Por que esquecemos os sonhos?
Pelas mais diversas razões — e, dentre elas, o fato de que a lembrança dos sonhos depende da disposição da consciência em escutar o inconsciente.
Em tempos de sobrecarga, racionalismo ou distanciamento da vida simbólica, os sonhos podem se tornar nebulosos, fragmentados ou silenciosos.
Às vezes, esquecemos porque a alma está exausta. Outras vezes, porque o ego teme o conteúdo que pode emergir.
O esquecimento também pode ser uma defesa amorosa da psique, protegendo-nos daquilo que ainda não estamos prontas para integrar. Mas com paciência e delicadeza, é possível cultivar esse vínculo e restaurar o fio da memória onírica.
Práticas para lembrar os sonhos
1. Um convite para sonhar
Antes de dormir, você pode dizer suavemente a si mesma: “Quero lembrar dos meus sonhos.” Ou pode escrever essa frase. O inconsciente responde ao gesto simbólico e ao desejo sincero.
2. Crie um campo receptivo
Evite estímulos intensos à noite. Cultive o silêncio. Leia algo simbólico. Escute músicas suaves. Prepare o corpo e a alma como quem se aproxima do sagrado.
3. Diário de sonhos
Tenha caderno e lápis ao lado da cama. Ao acordar, registre qualquer detalhe: imagens, sensações, fragmentos. Não importa se parece desconexo — tudo tem valor.
Se não for possível escrever, você pode gravar uma nota de voz no seu celular. Às vezes, uma imagem se dissolve rápido, e falar pode ser mais ágil do que escrever.
Jung recomendava acolher a linguagem do inconsciente com respeito e sem julgamentos.
O diário torna-se um altar simbólico, onde até fragmentos do inconsciente encontram acolhimento. Com o tempo, símbolos se repetem, padrões emergem, mensagens se tornam mais claras. A alma reconhece quando está sendo escutada.
Anotar os sonhos é um ato de reverência à alma. Honre seus sonhos! Registre-os!
4. Amplificação simbólica
Após escrever o sonho, leia com calma. Reflita sobre as imagens. Você pode perguntar, entre outras coisas:
“O que essa figura representa em mim?” “O que ela quer me dizer?”
Caso seja possível, busque o apoio de um profissional capacitado para trabalhar os sonhos, sob a perspectiva junguiana. A análise dos sonhos, quando conduzida com escuta simbólica, pode se tornar um dos caminhos mais potentes no processo terapêutico.
Ao trazer as imagens do inconsciente para o espaço da fala e da reflexão, possibilitamos que conteúdos antes desconhecidos ou negligenciados venham à luz da consciência.
Jung via o sonho como um mensageiro do Self — e sua análise, mais do que uma explicação, é um encontro. Um encontro com aspectos rejeitados, talentos esquecidos, dores não nomeadas, potenciais adormecidos.
Na clínica junguiana, o sonho não é analisado como um enigma a ser decifrado, mas como uma narrativa viva a ser escutada, sentida, integrada. É através desse diálogo entre consciente e inconsciente que a alma encontra sua voz — e a cura deixa de ser um conserto para tornar-se caminho.
Desenvolver uma atitude simbólica — isto é, viver com abertura às imagens, escutá-las como quem conversa com algo vivo — é parte essencial dessa jornada.
O símbolo, para Jung, é a melhor expressão possível de algo que ainda está se tornando consciente. Ele não exige explicação imediata, mas presença, paciência e relação.
E se os sonhos ainda não vierem?
Não se preocupe. O simples fato de você desejar lembrar já é um passo na direção da alma. Como toda relação profunda, o vínculo com o inconsciente precisa ser cultivado com paciência, constância e afeto.
Lembrar dos sonhos é uma habilidade que pode — e deve — ser despertada. E quanto mais você prepara o campo, mais fértil ele se torna.
Continue com seus gestos simbólicos, registre mesmo os menores fragmentos, mantenha o diário ao lado da cama, olhe para dentro com curiosidade e reverência.
O inconsciente é como um lago profundo: à medida que você mergulha com ternura, ele começa a revelar seus reflexos. E quando menos esperar, os sonhos virão — suaves, intensos, transformadores.
Há inúmeras obras que, como os sonhos, são portas para o mistério do ser. Ao caminhar por elas, descobrimos que sonhar não é apenas parte do dormir — é um verdadeiro despertar para a alma.
Caso você deseje, veja na Referência abaixo algumas sugestões para aprofundar essa escuta simbólica. E bons sonhos!
Agda Galvão
Psicoterapeuta Junguiana
Referência Junguiana
Para aprofundar a compreensão simbólica dos sonhos e sua importância no processo de individuação, aqui estão algumas fontes diretas de C.G. Jung que embasam este conteúdo:
“O sonho é a pequena porta escondida no mais profundo e íntimo santuário da alma…”→ Memórias, Sonhos, Reflexões (1962)→ Também citada na palestra The Meaning of Psychology for Modern Man (1931).
Sobre a função compensatória e prospectiva dos sonhos:→ A Prática da Psicoterapia (Obras Completas, Volume 16)→ A Psicologia do Inconsciente (Obras Completas, Volume 7)
Sobre o Self e o processo de individuação:→ Aion – Estudos sobre o Simbolismo do Si-mesmo (Obras Completas, Volume 9/2)→ Tipos Psicológicos (Obras Completas, Volume 6)



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