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Por que me apaixono por quem me machuca?

  • agdagalvaopsic
  • 31 de out.
  • 4 min de leitura


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Poucas perguntas tocam tão fundo a alma quanto esta: por que me apaixono por quem me machuca?


O que muitos chamam de “dedo podre” não é azar. É a linguagem simbólica do inconsciente se manifestando em nossas escolhas afetivas, tentando nos levar, mesmo pela dor, a um encontro mais profundo com nós mesmas. É a alma sussurrando: “Preste atenção em mim...”


Essa dor, que parece tão íntima e pessoal, na verdade ecoa em muitas histórias. E por mais que tentemos explicá-la com lógica ou rotulá-la como “azar no amor”, há forças psíquicas profundas atuando silenciosamente em nossas escolhas.


Este texto é um mergulho nessa pergunta e nas muitas camadas que a compõem. Vamos atravessar caminhos da sombra, dos complexos, da infância, anima/animus, das imagens internas de amor, das marcas do trauma e do processo de individuação.


Cada um desses aspectos revela um pedaço do enigma: Por que, mesmo desejando amor, nos sentimos atraídas por quem nos fere?


Jung nos ajuda a olhar com profundidade para essas repetições afetivas e nos convida a transformar dor em consciência. O que parece fracasso pode ser, na verdade, um chamado da alma por integração.



A sombra; o espelho que fere: do ponto de vista junguiano, enquanto não reconhecermos certas forças dentro de nós, elas não nos deixarão em paz.

Raiva, ciúme, medo da entrega, desejo de controle...Tudo o que escondemos continua ali, esperando ser reconhecido, na sombra...


Às vezes, o parceiro que nos machuca é apenas o espelho que reflete o que ainda não conseguimos aceitar em nós. A sombra não vem para nos destruir, mas para nos ensinar onde falta consciência e amor.


Vejamos os complexos, aqueles núcleos emocionais ativos dentro de nós, ligados a antigas dores. Eles funcionam como forças autônomas e fazem com que revivamos experiências emocionais do passado.


Quem foi rejeitado na infância pode, sem perceber, se atrair por alguém que o rejeita novamente.


O inconsciente tenta reescrever o passado, esperando um final diferente.

Mas o que se repete, quase sempre, é a mesma dor. E o complexo se fortalece.

A pessoa acredita estar fazendo uma nova escolha, mas está apenas revivendo um roteiro antigo.


O amor como repetição da infância: isso acontece porque nossas primeiras experiências de amor moldam o modo como amamos. Pai, mãe, cuidadores, irmãos... todos deixam impressões profundas na alma. Esses vínculos criam imagens internas sobre o que é afeto, cuidado, presença, abandono ou rejeição.


Assim, quem viveu abandono pode se atrair por quem se afasta. Quem foi criticado pode amar quem o desvaloriza. O inconsciente não escolhe rostos, corpos ou gêneros. Ele busca conteúdos simbólicos que reproduzem a ferida original porque a alma não quer evitar a dor; ela quer transformá-la, ela quer resolvê-la.


Anima e Animus, os vínculos internos: Jung chamava essas forças interiores de anima (imagem do feminino) e animus (imagem do masculino).Todos nós, independentemente de gênero ou orientação sexual, temos essas figuras psíquicas em nosso mundo interno.


Quando essas imagens estão feridas ou imaturas, tornam-se vozes interiores rígidas e destrutivas, como:

  • “Você só é amável se suportar dor.”

  • “O amor exige sofrimento.”

  • “Homem bom não existe.”

  • “Mulheres sempre decepcionam.”

Essas vozes moldam nossos vínculos de forma inconsciente. Nos atraem para relações de culpa, submissão ou sacrifício, como se amar significasse suportar.


Existe ainda uma camada mais profunda nesse padrão repetitivo da busca por quem nos fere: o trauma emocional infantil. Quando uma criança cresce em um ambiente onde o afeto vem misturado com rejeição, abandono, violência ou manipulação, ela aprende que o amor dói. Que é instável. Que exige esforço para ser conquistado.


Essa dor não é apenas lembrança, ela se inscreve no corpo, na emoção, na alma.

Mais tarde, o carinho constante parece estranho. O amor calmo, entediante. A ausência de drama soa como ausência de paixão.


O trauma cria um mapa interno de familiaridade emocional. E o que é familiar, o inconsciente entende como seguro, mesmo que seja destrutivo. Assim, amar alguém que machuca pode, paradoxalmente, parecer confortável. Como retornar à casa conhecida da infância, mesmo que ela esteja em ruínas.


No fundo, há uma esperança infantil:

“Desta vez será diferente.”

“Desta vez ele vai ficar.”

“Desta vez ela vai me valorizar.”

“Desta vez serei amada sem dor.”


Mas nada muda, apenas estamos revivendo a mesma peça em outro palco.

Jung dizia: “Não nos curamos fugindo da dor, mas mergulhando nela com consciência.”

A mudança pessoal começa quando reconhecemos que o que chamamos de amor pode estar contaminado pela memória da dor.


Da projeção no outro à nossa individuação: A transformação do nosso “eu” acontece quando deixamos de buscar a resolução no outro e começamos a olhar para dentro.


Há um caminho junguiano de resolução:

Retirar a projeção: perceber que o que mais nos atrai ou fere no outro pode ser reflexo de algo não reconhecido em nós.

Acolher a sombra: reconhecer a própria raiva, necessidade, força, fragilidade.

Integrar anima e animus: cultivar o feminino e o masculino internos com equilíbrio e autonomia.

Assumir o complexo: aceitar que a dor atual tem raízes antigas,  e que a transformação, a adequação está na consciência, não na repetição.


Por derradeiro, vejamos o amor maduro: o outro como parceiro de alma, não de dor. O amor consciente não é preenchimento, é encontro. Não é dependência, é presença.


É quando deixamos de buscar no outro o pai, a mãe, o salvador ou o carrasco e passamos a enxergar um ser humano inteiro, como nós. Apaixonar-se por quem machuca não é fracasso. É um chamado da alma para quebrar o ciclo da dor e se reencontrar consigo mesma.


O movimento libertador começa quando reconhecemos o padrão e escolhemos um novo caminho. Não o da repetição, mas o da consciência.


Amar de verdade é atravessar a própria ferida e descobrir, do outro lado, a inteireza.


O amor deixa de ser prisão, e se torna liberdade. E nessa liberdade, o outro deixa de ser espelho da nossa falta e passa a ser companheiro de alma, não de dor.


Se você percebe em si esse ciclo de dor e amor, talvez este seja o momento de olhar com ternura para dentro. A mudança não virá de quem te feriu, mas do encontro profundo com quem você é.


Quando você se escuta com coragem, o amor que antes machucava se transforma em caminho de libertação.

 


Agda Galvão


Psicoterapeuta Junguiana




 
 
 

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